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"Todas as palavras que
digo - é por esconderem outras palavras
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O que dizer, meu Deus? Não há
nada. Só silêncio. Há a máquina sendo tocada lentamente. Há o
som macio da escrita.
São várias as palavras dentro
do peito, uma eterna confusão que não consigo guardar por muito
tempo e as histórias acabam voando. O que é que eu posso escrever?
Às vezes fico tentando desenrolar um texto, alinhavando fio por fio
do pensamento, procurando frases no chão como se olhasse o céu.
Tento fingir que é fácil. Mas não é. A palavra é forte demais
para ser maquiada, ela é, e apenas. E eu só poderia amá-la. A
palavra é meu instrumento de transcendência, é quase tão
insuportável quanto a perfeição. Cada palavra é uma ideia. Cada
palavra materializa o espírito. E quanto mais palavras eu conheço,
mais próxima me sinto do eco da liberdade.
Os nossos sentimentos não passam
de inexistências se não forem moldados em palavras. É preciso ser
identificável, mas apenas nas entrelinhas. O mistério é o segredo
da palavra, ela tem que ser como uma neblina que encobre a lucidez e
a transparência do ser e foge da coerência. Todas as palavras que
digo - é por esconderem outras palavras. E por esconderem, é que me
torno simples. Ou complexa, aos olhos de quem busca compreensão.
Qual é mesmo a palavra secreta?
Aquela que toma o meu inconsciente? Aquela que não sabe lidar com os
sentimentos? Aquela que sempre está perdida entre as letras no
papel? Não. Não. Não. É aquela em que eu ousei. Não sei por que
não ouso dizê-la? É como se fosse o meu maior segredo. O elo
perdido da escrita. Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente
uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Acredito que seja
porque é esta palavra, a única que deixa o vazio permanecer em mim
e me completa. Quero continuar existindo nela, no único ponto em que
me encontro segura, todas as outras palavras são uma mentira, fazem
parte do abismo insondável em que temo cair. São essas palavras que
me impedem de dizer a verdade.
Simplesmente não há palavras.
O que não sei dizer é mais
importante do que o que eu digo. O que eu digo sempre tem
sentido e há uma beleza única na incoerência. Dizer o que se sabe
significa vulnerabilidade. Dizer o que não se sabe é exibicionismo.
Temer o que se sabe é mediocridade. O que não digo é o que não
sei e não há nada que me interesse mais do que o que eu não sei,
porque eu ainda preciso saber. E as palavras me dão a oportunidade
de descobrir. São como a música, tocam o mais íntimo do ser e são
tão inconstantes quanto às batidas ritmadas da vida. As prefiro não
saber demais, porque não saberia o que fazer com esse saber.
Analogamente, desejei muitas vezes não saber escrever, assim talvez
me guardasse mais e me protegesse de mim mesma. Mas não consigo.
Ainda quero escrever, anotar cada frase que penso e que se encontra
voando na mente, porque muita coisa se perde no instante. Escrever é
como guardar em um refúgio, em um lugar seguro, um abrigo que nunca
vai se desmanchar, mesmo sendo feito de ideias.
Sempre quis atingir através da
palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda e que
fosse e transmitisse tranquilidade ou simplesmente a verdade mais
profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu
escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de
todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial.
Nesse ritmo lento das palavras,
escrevo as minhas diversas vidas. As vidas que tive, as que finjo
ter, as que ainda terei. Escrever é sangue pulsando na veia.
Só irei parar de escrever quando
me encontrar de verdade e sinto que isso nunca acontecerá.
Sobre escrever. O que dizer meu
Deus? Simplesmente as palavras do homem.
- Ana Clara Dantas, Eni Carvalho e Ulli Uldiery
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