1.3.12

Sobre a escrita...


                                      


"Todas as palavras que digo - é por esconderem outras palavras
 
O que dizer, meu Deus? Não há nada. Só silêncio. Há a máquina sendo tocada lentamente. Há o som macio da escrita.

São várias as palavras dentro do peito, uma eterna confusão que não consigo guardar por muito tempo e as histórias acabam voando. O que é que eu posso escrever? Às vezes fico tentando desenrolar um texto, alinhavando fio por fio do pensamento, procurando frases no chão como se olhasse o céu. Tento fingir que é fácil. Mas não é. A palavra é forte demais para ser maquiada, ela é, e apenas. E eu só poderia amá-la. A palavra é meu instrumento de transcendência, é quase tão insuportável quanto a perfeição. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. E quanto mais palavras eu conheço, mais próxima me sinto do eco da liberdade. 
 
Os nossos sentimentos não passam de inexistências se não forem moldados em palavras. É preciso ser identificável, mas apenas nas entrelinhas. O mistério é o segredo da palavra, ela tem que ser como uma neblina que encobre a lucidez e a transparência do ser e foge da coerência. Todas as palavras que digo - é por esconderem outras palavras. E por esconderem, é que me torno simples. Ou complexa, aos olhos de quem busca compreensão. 
 
Qual é mesmo a palavra secreta? Aquela que toma o meu inconsciente? Aquela que não sabe lidar com os sentimentos? Aquela que sempre está perdida entre as letras no papel? Não. Não. Não. É aquela em que eu ousei. Não sei por que não ouso dizê-la? É como se fosse o meu maior segredo. O elo perdido da escrita. Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Acredito que seja porque é esta palavra, a única que deixa o vazio permanecer em mim e me completa. Quero continuar existindo nela, no único ponto em que me encontro segura, todas as outras palavras são uma mentira, fazem parte do abismo insondável em que temo cair. São essas palavras que me impedem de dizer a verdade.

Simplesmente não há palavras.

O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo. O que eu digo sempre tem sentido e há uma beleza única na incoerência. Dizer o que se sabe significa vulnerabilidade. Dizer o que não se sabe é exibicionismo. Temer o que se sabe é mediocridade. O que não digo é o que não sei e não há nada que me interesse mais do que o que eu não sei, porque eu ainda preciso saber. E as palavras me dão a oportunidade de descobrir. São como a música, tocam o mais íntimo do ser e são tão inconstantes quanto às batidas ritmadas da vida. As prefiro não saber demais, porque não saberia o que fazer com esse saber. Analogamente, desejei muitas vezes não saber escrever, assim talvez me guardasse mais e me protegesse de mim mesma. Mas não consigo. Ainda quero escrever, anotar cada frase que penso e que se encontra voando na mente, porque muita coisa se perde no instante. Escrever é como guardar em um refúgio, em um lugar seguro, um abrigo que nunca vai se desmanchar, mesmo sendo feito de ideias.

Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse  ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranquilidade ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial.

Nesse ritmo lento das palavras, escrevo as minhas diversas vidas. As vidas que tive, as que finjo ter, as que ainda terei. Escrever é sangue pulsando na veia.

Só irei parar de escrever quando me encontrar de verdade e sinto que isso nunca acontecerá
 
Sobre escrever. O que dizer meu Deus? Simplesmente as palavras do homem.


Postado por Clarice Lispector às 22:40

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