3.3.12

(In)feliz Clandestinidade


A vida tratou de fazer com que a felicidade fosse para mim algo vedado. Não sei com que gosto ela fazia com que os meus sofrimentos fossem o mais adequado dos cotidianos. Então tudo que tinha sabor de felicidade tornava-se defeso, e a única maneira de aproveitar era atribuindo a essa alegria uma feição ilegal. Carnavais, livros, todos esses prazeres pareciam que não foram feitos para mim. Ah!, Mas com que gosto o ilegal faz bem, como era bom fazer desses momentos clandestinos o maior dos sentimentos que alguém pode ter quando quer se sentir vivo. E assim eu ia vivendo, burlando a impiedosa vida, e sendo feliz à minha maneira.

Mas voltemos ao Monteiro Lobato, voltemos às Reinações de Narizinho. Agora ele era meu amante, e eu criava as situações para nos deleitarmos um com outro, nada muito longo, nada muito extensivo, pois a vida nos espreitava com seus olhos de lei, para me impor a minha lei. Que não fossem longos, que não fossem duradouros, mas eram os melhores momentos e particularmente, como acontece com todos amantes, a vivência desses momentos fazia com que os interstícios fossem não felizes, mas ainda sim esperançosos e saltitantes, pois a hora de estar com ele haveria novamente de chegar e assim minha boa fortuna se faria.
Quanto tempo vivemos assim¿ Não sei, mas tampouco importa, foi tempo suficiente para que meus dias tomassem um brilho distinto, para que meus cantos tomassem outras formas, outros sons, e antes de tudo, para que minha lei, antes tão pouco incontestável, tomasse formas menos duras agora.
Procrastinar a devolução dava-me uma idéia de que aqueles momentos se tornariam eternos, mas não, o tempo protraído não fez com que a hora indesejada não chegasse e para minha consternação o momento que findaria minhas felicidades chegou. Era hora de tornar o livro a sua dona.
Lá estava eu pelas ruas, com o passo lento, tentando ainda adiar ao máximo a entrega, com aquela idéia ainda em mente. Quem sabe o passo lento não tornaria esse amante agora meu. Mas não, não teve jeito, a vida não apaziguava, a vida não me dava aquilo que eu queria.
Então estava eu novamente à porta da filha do dono de livraria, como tantas vezes lá estive com esperança, com planos que ela sempre suprimia, mas que se refaziam sempre na esperança da leitura. Devolvi, e talvez fosse isso, ele nunca fora meu de verdade, era dela. Esteve comigo o tempo certo, mas nossa relação era delimitada, tinha prazo, tinha fim. O fim chegou.

Victor Filipe Costa Lima e Vítor Cangussu.
Postado por Clarice Lispector às 12:52

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