2.3.12

O momento da Estrela


Porque a morte,se viver, muitas vezes torna-se um castigo insuportável.

Vida sem graça, sem gosto. Felicidade, só de vez em quando, como uma taça de vinho, que deve ser degustada bem devagar, guardando o sabor na boca e na memória.

Amor. Talvez nunca sentira antes, e agora uma pequena e imprudente chama é acesa no seu estúpido peito. Macabéa nunca conhecera alguém, talvez nem a si mesma, e a única coisa que consegue sentir é uma dor aguda que corrói seu peito, ou estômago. Ela não sabe!

Sonha, fantasia situações, mas o máximo que alcança são momentos mudos junto aquele de quem gosta.

Incapaz de qualquer tipo de demonstração de sentimento, ela vive seus dias; todos iguais!
Com uma rotina simplesmente tediosa. Para ela está bom, não conhece nem aspira algo melhor, por isso não reclama.

Nunca questionou o motivo de sua existência. Viver é isso e pronto. “E a morte Macabéa?” 

- Não sei o que é, logo não penso nisso. Faz sentido? Quem sabe.
Sentia-se limitadamente amada. Amada, apesar de sua falta de atitude era feliz assim, já basta!

Lhe disseram, certa vez: “ Macabéa, vá a uma cartomante! Você vai gostar!” Não foi, jamais iria a algum lugar.

- Se eu não consigo ver meu próprio amanhã, quem dirá outra pessoa. Era sua lógica e acreditava nisso. Voltou ao trabalho, rotina diária e cansativa.

Estava exausta de si, dos outros, da hipocrisia que todos os dias estava submetida. Fazer o quê? A vida é assim, as pessoas são dessa maneira. Talvez nem todas, mas todas aquelas que ela convive, utilizam desse mecanismo de sobrevivência. Marcou um encontro com aquele rapaz, aquele mesmo que lhe pagara um café ralo com leite. Mantinha suas expectativas, mas como sempre, seu semblante permanecia imóvel.

Saiu do trabalho como de costume, sempre atrasada. Tinha uma lerdeza irritante. Foi ao lugar marcado e percebeu que havia esquecido algo na mesa do escritório. Respirou e voltou ao prédio que trabalhava, subiu as escadas e enfim entrou. Vagarosamente procurou sua carteira. Isso! Era a carteira que havia esquecido. Mais atrasada ainda foi ao lugar marcado, mas notou uma aglomeração na avenida próxima.

- Não gosto de aglomerações. Gente curiosa – pensava. Aproximava-se, cada vez mais, também queria ver o motivo pelo qual aquelas pessoas estavam ali, porque não haviam ido para casa. Percebeu que alguma coisa estava estendida no chão. Será que era um cachorro? Que pena!

Não era um animal qualquer, e sim uma moça. Linda, loura nova. Choravam por aquele corpo ali, sentiriam sua falta. Macabéa pensou que poderia ser ela se não tivesse voltado ao escritório. Ficou feliz, muito feliz em saber que era outra. Se fosse ela, ninguém choraria, ninguém se importaria, seria somente mais uma; qualquer uma. Pelo menos alguém choraria por aquela moça.

Devagar e aliviada, voltou-se e caminhou até o local de encontro. Estava atrasada e não poderia chegar tarde em casa. Amanhã ainda é outro dia!




Ruane Azevedo e Bruna Bedoni
Postado por Clarice Lispector às 21:26

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